19 de outubro de 2013
Há 40 anos, no Quartel do Barbalho, vi Gildo Lacerda vivo pela última vez...
Há 40 anos –
22 de outubro de 1973 – policiais me deram voz de prisão, em Salvador. Na
Polícia Federal, eu soube depois que também estavam presas as jornalistas
Mariluce Moura e Nadja Magalhães Miranda. Fiquei a maior parte do tempo com
olhos vendados. Um elemento suspendeu ligeiramente a venda e pude ver a farda
verde. Estava nas mãos do Exército Brasileiro. Tempos depois soube que era um oficial
do DOI/6ª Região Militar. À noite me levaram para o Quartel do Barbalho. A cela
tinha paredes úmidas e grossas barras de ferro. Num cantinho, uma lata de
querosene como sanitário.
Foi uma
longa noite. Pela manhã me fizeram atravessar o pátio do quartel. Encapuzado,
me empurravam, subi uma rampa e passei a ser interrogado numa sala. Um soldado
me disse que era o refeitório dos oficiais e o rádio em volume alto era para
abafar os gritos, já que havia uma rua vizinha ao quartel. Foi um dia de
terror, porradas, socos, e me fizeram subir naquelas latinhas que cortavam os
pés. O interrogatório não durou muito tempo. Logo me trouxeram de volta à cela
medieval. Foi então que vi Gildo Macedo Lacerda sendo empurrado, encapuzado,
com muita violência, em direção ao pátio, tinha uma ferida no pé muito inchado
que o fazia mancar, e eles o empurravam brutalmente para que sentisse dor. Já
era tortura a maneira como o empurravam.
Não sei mais
com exatidão quantos dias fiquei naquela cela do Quartel do Barbalho. Sei que
um dia me deixaram tomar banho, vestir minhas roupas limpas, fui jogado num
camburão e transportado para a Base Aérea da Aeronáutica, integrada ao
Aeroporto Dois de Julho de Salvador. Algemado, fui levado pela FAB para Recife.
Encapuzado, me levaram para o quartel do DOI/CODI, mantido incomunicável. Até
que começaram os interrogatórios. Me dependuraram no pau-de-arara, fixaram fios em meu saco e rodaram a maquininha de
choques. Uma coisa indescritível. Aquilo me fazia abrir a boca
involuntariamente e aparentar uma risada. E eles ficavam mais descontrolados. E
aumentavam as cargas.
Um dia, 28
de outubro, um dos torturadores me disse baixinho no ouvido: “sabe o Zé Carlos
e o Gildo? Já era”. Fiquei assim sabendo da execução, sob tortura, dos
companheiros contemporâneos de escola e militância política, José Carlos da
Mata Machado e Gildo Macedo Lacerda. A família Mata Machado pode enterrar seu
filho, mas a família de Gildo nunca conseguiu localizar o seu corpo.
Sobrevivi.
Não é possível perdoar, não é possível esquecer. E passaram-se 40 anos.
Malditos.