15 de fevereiro de 2013

 

O Som ao Redor – o filme que desnuda nossa herança escravocrata


Em janeiro deste ano (2013), o cineasta Kleber Mendonça Filho lançou seu filme “O Som ao Redor”, sobre o caos da vida urbana brasileira marcada por forte herança patriarcal. Embora premiadíssimo, por não se enquadrar nos megalançamentos dos cinemas controlados por Hollywood, obteve espaço em...13 salas do país. O longa metragem é um verdadeiro espelho onde o brasileiro pode se mirar. Ele aborda conflitos sociais a partir de um quarteirão de Recife, ocupado por famílias de classe média e média alta. E mostra o dia-a-dia de uma Nação em mudança, mas, com forte presença da estrutura do passado escravagista.
O “Som ao Redor” estreou em agosto, em Nova York, e recebeu aclamação da crítica no The New York Times, como um dos dez melhores filmes de 2012.
Lá, a obra do diretor pernambucano ganhou o prêmio de melhor filme do Cinema Tropical Awards. Em entrevista à revista CartaCapital (06/02), Kleber Mendonça afirma que abordou na atualidade o passado do patriarcado brasileiro: “A cultura escravagista é muito forte no Recife e no Brasil”. Com essa base teórica, ele abre o filme com uma sequência de fotos em preto e branco de trabalhadores rurais e casas-grandes. “É uma resposta ao descaso pela história. O Brasil só pensa no presente e no futuro. Esquece que o passado é o Manual de Instruções de uma sociedade”.
Logo após as fotos, uma menina anda de patins e termina seu passeio numa quadra esportiva de um prédio, onde se encontram empregadas domésticas e babás vestidas de uniformes, um conjunto de escravas, pura herança do sistema patriarcal e escravocrata descrito por Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala. Em janeiro, Kleber Mendonça num restaurante em Higienópolis, São Paulo, viu cena semelhante: um casal de brancos com um bebê loiro e à mesma mesa um ser humano uniformizado olhando para a comida sem dizer palavras. Era uma mucama.

Apesar do que retrata no filme, Kleber Mendonça vê uma mudança gradual na passividade da gente brasileira. “Os papéis sociais são bem definidos, paralisantes, mas, apesar do preconceito, nos últimos 12 anos houve uma evolução no modo como as classes mais baixas se vêem”. E uma das explicações é o fato de Lula “ter quebrado o molde típico do presidente brasileiro e ter promovido uma maior distribuição de renda. Hoje, ser pobre não é uma vergonha”. Essa percepção do cineasta afetou a representação das classes mais baixas em seu filme onde nenhum trabalhador abaixa a cabeça para o patrão.
Mendonça usa uma estética realista para descrever os conflitos de classes. Não faz julgamentos. Mas revela. Numa reunião de condomínio, moradores discutem o futuro do porteiro. Pedem demissão por justa causa porque o porteiro foi flagrado dormindo, por um vídeo de um dos filhos de condômino. Surge então outro argumento “forte” para motivar a demissão por justa causa. O porteiro entrega a revista Veja fora do plástico. Seria a “violação” da revista dos condôminos. Cômico, se não fosse trágico.

O filme “Som ao Redor” documenta um dos barulhos mais perturbadores de todo o Brasil, aquele do bate-estaca da construção de um novo edifício, de prédios construídos sem projeto urbano, projetos individuais feitos para os empreiteiros ganharem dinheiro. Daí a arquitetura desumanizadora, grades, cercas elétricas, arames farpados e os onipresentes muros altos. Um modelo urbano fracassado, profundamente individualista. “Ali o ser humano é feito como um ratinho correndo dentro de um labirinto de laboratório, não há saída”.
Não dá para perder o “Som ao Redor”. Difícil é achar a sala de cinema de arte.

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