18 de novembro de 2011

 

Diálogos com o sociólogo Zygmunt Bauman - III


A DEMOCRACIA EM DECADÊNCIA
Então, tudo isso mudou. Muitas mudanças, não apenas a passagem do totalitarismo para a democracia, mas, muitas outras coisas. E receio que não possamos realmente dizer qual dessas mudanças é a mais duradoura e vai influenciar a vida das próximas gerações, dos nossos netos e bisnetos.

Não consigo dizer se foi o início de uma nova forma de vida que vai durar séculos, ou se é um período de transição de um tipo de ordem social para outro tipo de ordem social. Quando você está num processo de transição, fica muito difícil imaginar outro tipo de solução estável, um acordo de convivência humana. Mas isso virá mais cedo ou mais tarde. E até mesmo essa pergunta não dá para responder. Eu acredito que, com algum grau de responsabilidade posso dizer que duas coisas aconteceram e que são irreversíveis:

1) Uma coisa é que multiplicamos, nós, a humanidade no planeta, as conexões, as relações, as interdependências, as comunicações espalhadas em todo o mundo. Estamos agora numa posição em que todos nós dependemos uns dos outros. O que ocorre na Malásia, quer você saiba ou não, sinta ou não, tem uma tremenda importância nas perspectivas de vida dos jovens em São Paulo. E vice-versa. Estamos todos no mesmo barco. Essa é a primeira vez na História em que o mundo é realmente um único País, em certo sentido.

2) A segunda questão é que aproximadamente após 300 anos de história moderna, nossos antepassados decidiram assumir a natureza sob a gestão humana na esperança que eles fariam com que a natureza, absolutamente, obedecesse às necessidades humanas e teriam pleno controle do que acontecesse no mundo.

Agora, isso acabou, porque no resultado de nossos próprios sucessos, as nossas respostas para nossos sucessos, o desenvolvimento da tecnologia moderna, a eficiência, ou a nossa capacidade de produzir cada vez mais, alcançar todos os tipos de recursos naturais do planeta, no resultado de todo esse tremendo sucesso da ciência e da sociologia, chegamos muito perto do que agora entendemos ser a suportabilidade do planeta. Eu sou um humilde sociólogo. Eu não tenho habilidades proféticas. Eu nunca aprendi nenhuma metodologia de profecia em meus 61 anos fazendo sociologia. Então, eu não sei como isso vai se desenvolver.

O DIVÓRCIO ENTRE PODER E POLÍTICA

Eu só posso dizer-lhe quais são os perigos, hoje, para a democracia: um, se refere a quais são as dimensões do divórcio entre o poder e a política. Porque, se esse for o caso, então, o Estado, a única instituição política que temos – nós não temos uma instituição global – tem poder suficiente para manter todas as promessas que os Estados, 50 anos atrás, fizeram aos cidadãos. E essa foi a “Era de ouro” da Democracia. Nos 30 anos pós-guerra, ocorreu uma proliferação e florescimento da democracia ideal.

Agora, a democracia está em decadência. Cada vez menos pessoas estão convencidas de que seja uma coisa boa. E têm dúvidas a respeito da qualidade da democracia. Por que? Simplesmente porque o Estado, relativamente sem poder, consegue oferecer cada vez menos aos cidadãos.

O que os Estado estão fazendo, com muitas poucas exceções, é subcontratar muitas funções que o estado deveria desempenhar. Quem sabe, talvez, talvez, aqui já estou novamente envolvido em profecia, nós inventemos uma democracia global, em algum momento.

E essa seria uma solução radical principalmente porque eu não creio que a estrutura do Estado-nação permita que ele possa seguir defendendo sozinho o futuro da democracia, pelos motivos que eu mencionei anteriormente, certo?

Então, teremos que inventar, eu não, porque estou muito velho, mas você e sua geração terão que inventar um equivalente global das invenções dos nossos antepassados. Eles inventaram a democracia representativa de âmbito nacional, parlamentos, parlamentos modernos, eles inventaram a jurisdição e não leis locais, tradicionais, habituais, o direito consuetudinário, mas um código de direito unificado para todo o País. Eles inventaram todas as coisas que criam a democracia moderna.

Se Aristóteles fosse convidado para ir a um prédio de qualquer Parlamento contemporâneo – Aristóteles foi o primeiro a usar o conceito de democracia, a descrevê-la, certo? – ele provavelmente gostaria do que iria ver, porque as pessoas debatem, apresentam diferentes pontos de vista, discutem, depois votam, chegam a algum acordo. Eles gostaria. Mas, se alguém contasse a ele que isso é democracia, ele iria rir, porque a democracia que ele descreveu em Atenas antiga era apenas as pessoas indo ao mercado, brigando entre si e chegando a uma resolução. O que significa que a democracia é uma noção que adquire, com o tempo, na história, diferentes formas, diferentes instrumentos, diferentes estratégias.

Então, uma coisa de que eu posso ter certeza é de que se vocês realmente inventarem equivalentes globais para a democracia do Estado-nação, será uma democracia, certo?, mas, não serão as instituições democráticas que conhecemos, apenas em escala maior, . Não serão semelhantes a estas instituições porque estas que chamamos de democráticas foram criadas e adaptadas às necessidades do estado-nação.

Castoriadis diz que o indivíduo autônomo e a a comunidade autônoma, politike, só podem existir juntos. Um precisa do outro. Você não pode ser um indivíduo numa sociedade tirana, numa sociedade totalitária.Não somos realmente. Deve haver uma cooperação mútua entre as duas autonomias. Foi muito bonito. Mas, o perigo veio de um lado inesperado. Quando Castoriadis escreveu suas palavras, ele as escreveu contra totalitarismo da época.

Bom, de novo peço desculpas por ter que lembrar o passado pictórico, mas, quando eu era jovem, eu temia que o perigo viesse da esfera pública. Leia George Orwel: “nós temos medo da bota de um soldado prensando um rosto humano”.

Muito bem. Isso era um perigo, sem dúvida. Nossos antepassados e parte de minha própria geração conseguiram superar esse perigo, afastá-lo. Nós realmente não temos mais medo, como acontecia na minha juventude, da individualidade ser suprimida pelos choques vindos de cima, como a política secreta etc. Há alguns vestígios disso, MS bastante aliviados e mitigados.

Entretanto, o perigo para essa autonomia veio do outro lado. Da esfera do privado e do individuo. A maior aproximação contemporânea da Ágora, do lugar onde a democracia foi feita, refeita, continuada, desenvolvida e protegida.

A maior aproximação disso são os talks shows na televisão. É onde as massas participam, telefonam, enviam perguntas, mensagens etc. Algo semelhante ao que se fazia na antiga Ágora.

Ao olharmos para isso, vemos que eles não estão discutindo os nossos interesses compartilhados, não estão discutindo o bem-estar da sociedade, não estão discutindo sobre o que precisa ser feito para abolir e reparar os problemas que todos nós sofremos na sociedade atual.

Eles apenas confessam, em última análise, os problemas privados, individuais e bastante íntimos.

Ehremberg, sociólogo francês, afirmou que em sua opinião, a revolução pós-moderna começou numa quarta-feira, à noite, num outono da década de 1980, quando uma certa Vivienne, uma mulher comum, na presença de 6 milhões de telespectadores, declarou que nunca conseguiu ter um orgasmo durante seu casamento com Michel, seu marido, que sofre de ejaculação precoce. Vejam só. Começo da revolução. Começo da revolução. Porque repentinamente, na Ágora, as pessoas começaram a confessar coisas que eram a personalização da privacidade, que você só contaria, se fosse católico, ao confessionário, ou aos amigos mais íntimos. Mas você não iria à praça pública anunciar para todos.

Então, a Ágora, foi conquistada não pelos regimes totalitários, mas, exatamente pela privacidade, por coisas que anteriormente eram privadas. No confessionário, você conversa com Deus. É um segredo absoluto. Ninguém pode saber o que você confessou. Pois nós instalamos microfones nos confessionários.


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