6 de março de 2011

 

No Carnaval da Bahia, mesmo explorado, o povo se diverte

ARTIGO: CARNAVAL DE SALVADOR - MITO E VERDADE

O carnavalesco Geraldo Galindo, chicleteiro, timbaleiro e dirigente do PCdoB, polemiza sobre o Carnaval de Salvador. Ele discorda do historiador Milton Moura, da UFBA, que não vê mais espontaneidade nas ruas. E cita o diagnóstico sobre o Carnaval escrito pelo jornalista e deputado federal Emiliano José (PT) em artigo publicado no jornal A Tarde e que fala em vários apartheids.


SEGUE O TEXTO:


“Vai compreender que o baiano é, um povo a mais de mil, ele tem deus no seu coração e o diabo no quadril” (Nizan Guanaes)

Antes, durante e depois da maior festa popular do mundo, surgem os debates sobre o que é o evento e como deveria ser. Uma quantidade enorme de artigos é publicada em jornais e na internet trazendo polêmicas opiniões, que no geral, passam uma imagem/ deturpada do que realmente ocorre nos seis dias de folia.

Costumo dizer que se uma pessoa que mora fora da Bahia ler os textos dos sociólogos, antropólogos e jornalistas que circulam em profusão vai chegar à conclusão de que o que aqui acontece seria uma situação absolutamente deprimente, um festival em que o povo só participa para ser humilhado e espezinhado, enquanto uma pequena parcela de endinheirados se diverte com e em tal cenário. Nada mais falso.

Registro antes de prosseguir que, no geral, os acadêmicos que defendem essas teses são pessoas bem intencionadas, generosas. A Revista Muito do dia 27/02 trouxe a seguinte declaração de Milton Moura: "Eu continuo indo, mas a verdade é que não existe mais a espontaneidade, as pessoas não pulam mais. Nem dentro, nem fora do bloco".

Arriscaria eu a convidar o ilustre historiador para uma rápida vistoria no circuito para que ela perceba quão improcedente é a tal afirmação.

O jornalista e deputado Emiliano José, homem íntegro, que comprova que na política tem gente séria e honesta, produziu um belo artigo sobre o carnaval no A Tarde dia 28/02. Concordo com quase tudo que ele disse, especialmente com o que ele chama de "vários apartheids originados na organização do carnaval".

É por aí que polemizo todos os anos com os críticos da festa momesca. Digo, caricaturando, que eles pensam em resolver os problemas do capitalismo no carnaval e isso não é possível. Todas as contradições que existem nesse tipo de sociedade, de exploração do homem pelo homem, aparecem neste momento com bastante nitidez.

E é isso que Emiliano critica duramente. Os ricaços nos camarotes, a classe média nos blocos e os pobres segurando cordas e servindo as bebidas e quitutes. A sociedade onde vivemos é exatamente assim: os ricaços nos condomínios de luxo, e os pobres, moradores da periferia, na segurança e no humilhante serviço doméstico.

No futebol, outra paixão nacional ocorre situação semelhante. A imensa maioria do povo não pode pagar os caríssimos ingressos e dentro dos estádios fica tudo separadinho, cada faixa social ocupando espaços distintos.

O diagnóstico de Emiliano é preciso, mas essa constatação não deve levar necessariamente a conclusão de que temos um modelo de festa em que o povo não seja protagonista. E ele próprio afirma em tom de tristeza: "E lá embaixo (dos camarotes) os pobres pulam, e se divertem, e se envolvem numa alegria extraordinária, apesar de tudo".

Eis aí uma opinião com a qual compartilho e onde reside minha principal divergência com outras análises. O povo, o povo pobre, sofrido, trabalhador, ocupa os espaços aos milhões, e se diverte, se diverte muito. O carnaval de Salvador não se resume ao rega-bofe dos afortunados nos camarotes e nem a meia dúzia de blocos das grandes bandas onde saem os turistas em sua maior parte. Numa festa onde se calcula a presença de dois milhões de seres vivos o percentual desse grupo citado chega a ser irrisório.

No carnaval de 2008 fui criticado por um professor da UFBa com a seguinte argumentação: se dependesse de pessoas como eu, as baleias estariam extintas e a escravidão ainda existiria, numa linha de que eu estaria conformado com o modelo da festa. Longe de mim isso. Mas é curioso o fato de muitos dos que se preocupam com os negros e pobres durante a festa adorar os ambientes refinados dos frenéticos burguesinhos. Digo que é curioso, mas nada contra.

Um dos argumentos mais fortes utilizados, inclusive por Emiliano, para fazer restrições à organização da festa é o caso dos cordeiros, pobres e negros, que seguram as cordas para proteger os brancos ricos (lembro que existem blocos de menos abastados e negros com cordeiros também negros).

Nós, progressistas, devemos lutar incansavelmente contra toda e qualquer forma de exploração do homem pelo homem, e isso não será resolvido no capitalismo e muito menos no carnaval. Então, se os cordeiros existem enquanto profissão temporária, a luta é para que eles tenham as melhores condições de trabalho e salariais.
Ano passado fiz uma experiência de sair como cordeiro na Timbalada e constatei o que já percebia. Aqueles trabalhadores em sua maioria curtem e se esbaldam ao som do trio ( ver artigo “ Um dia de cordeiro na Timbalada http://galinhapulando.blogspot.com/2009/03/um-dia-de-cordeiro-na-timbalada.html)

Os críticos do carnaval soteropolitano concentram suas atenções na situação dramática dos cordeiros, mas é bom lembrar que durante a festa existem outros trabalhadores sendo explorados, em grau igual ou menor. Pensemos nos músicos de percussão que carregam aqueles instrumentos por cinco, seis horas; nos motoristas de trios e carros de apoio, nos garçons, cozinheiras, policiais etc.

Por fim leitor, encerro com uma frase de uma bela música da Banda Mel, que virou hino do carnaval “Eu queria, que essa fantasia fosse eterna, quem sabe um dia a paz vença a guerra e viver será só festejar”.

(*) Geraldo Galindo é chicleteiro e timbaleiro

Fonte: VERMELHO

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