17 de março de 2009

 

“Chapéu é chapéu, ditadura é ditadura”

Idos de 80. A ditadura militar através da mídia domesticada tentava passar para o País que o regime era uma “democracia social” embora fosse uma ditadura política. A reportagem política baiana – que não era submissa às elites como agora - foi atrás do celebrado jurista e constitucionalista Josaphat Marinho, para repercutir o fato e ele declarou: “Chapéu é chapéu, ditadura é ditadura”, que virou manchete forte da Tribuna da Bahia. O fato me veio à lembrança com o artigo do escritor, jornalista e ex-deputado Emiliano José, publicado no jornal A Tarde (16/03/09), sob o título “Ditadura é ditadura”, criticando o infeliz neologismo “ditabranda” da Folha de S. Paulo.

LEIA O ARTIGO NA ÍNTEGRA:

Ditadura é ditadura

Antes que as águas de março batessem à nossa porta, fim de fevereiro, um editorial da Folha de S. Paulo causou estupefação. Reagindo à vitória do presidente Hugo Chávez na Venezuela – patrono de uma espécie de bonapartismo, segundo a Folha, que manipula mal o conceito - o jornal qualificou a ditadura militar de 1964 como uma ditadura branda, o que seria obviamente uma contradição em termos. Ditadura é ditadura. Não há meio termo. A não ser para a Folha que, aliás, inventou um neologismo bem a seu gosto – ditabranda –, não se sabe se por ironia ou se por amor.

A Folha foi mais longe. Como muitos leitores se mostraram indignados, ela tentou se explicar. E disse, na chamada “Nota de Redação”, que na comparação com outros regimes instalados na região no período, a ditadura brasileira “apresentou níveis baixos de violência política e institucional”.

Não posso dizer que a estupefação tenha me atingido. Quem tenha acompanhado a história do grupo “Folhas” não terá sido surpreendido. Quem se deu ao trabalho de dar uma espiada no livro “Cães de Guarda”, de Beatriz Kushnir, menos ainda. Trata-se de um rigoroso diagnóstico sobre a colaboração do grupo “Folhas” com a ditadura.

Mas, cá pra nós, a Folha podia ser um pouco mais zelosa, ter respeito com os leitores, consideração para com a inteligência dos brasileiros. A ditadura militar brasileira foi uma ditadura sangrenta. Prendeu, torturou, matou a sangue frio, fez desaparecer pessoas, seviciou mulheres e crianças, fez correr sangue de brasileiros e sempre de modo covarde. Quase invariavelmente matou as pessoas sob tortura. E isso sempre com o mais completo desrespeito às liberdades, inclusive a de imprensa.

Será que a Folha, ao fazer sua macabra contabilidade – quantos mortos pela ditadura brasileira, quantos pela ditadura argentina, por exemplo – queria dizer que se a ditadura brasileira matou “só” algumas centenas de pessoas, torturou “apenas” alguns milhares de brasileiros, foi mais branda porque “afinal” podia ter matado e torturado muito mais? Ou será que eu entendi mal?

O editorial, para além dos equívocos históricos e conceituais quanto a Hugo Chávez, constitui uma afronta à sociedade brasileira e uma atitude de escárnio face a milhares de familiares de pessoas mortas, mutiladas, torturadas, desaparecidas por conta da ação da ditadura que em minuto algum foi branda, insista-se.

Para aumentar o desastre, a Folha desqualificou a crítica, tentando diminuir os professores Fábio Konder Comparato a Maria Victoria Benevides, que se insurgiram contra o editorial. Lamentável. E é sintomático que o editorial apareça no momento em que o Brasil discute a punição dos torturadores, filhos diletos da ditadura. Muito sintomático. A existência rotineira de tortura por si só é a negação de qualquer brandura. É hora de reafirmar: ditadura nunca mais!

*Jornalista e escritor. Email: emiljose@uol.com.br
Site: www.emilianojose.com.br

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