20 de janeiro de 2009

 

Livro detalha extermínio de opositores do regime militar

Parece uma ladainha. Não dá para esquecer. Os jornalistas que são seduzidos pelo pensamento dominante na mídia brasileira não podem parar de ler e se informar sobre os tempos sombrios e sangrentos da ditadura militar.

Outro dia mesmo, aqui na Bahia, li uma revista – bonitinha, mas, ordinária, editada por jovens empresários cujos pais acumularam patrimônio exatamente naquele período de trevas – que praticamente criminalizava os cidadãos que estão sendo indenizados porque tiveram seus direitos violados pelos militares. Virou moda na imprensa criticar os que recebem indenização. Claro que é um discurso político da direita. Ainda assim há jornalistas que reproduzem este discurso com alguma convicção.

Tudo isso é para falar da importância do livro "Sem vestígios: revelações de um agente secreto da ditadura militar brasileira" de Taís Morais (Geração Editorial, 2008), a jornalista autora de “Operação Araguaia” (em co-autoria com Eumano Silva). Eu, que sempre leio as obras que resgatam a memória daqueles tempos, fiquei chocado com as revelações do agente secreto do Centro de Informações do Exército (CIEX).

O agente secreto do Centro de Informações do Exército não era nenhum neófito em tortura ou execuções, mas o que viu naquele mês de março de 1974, no "aparelho" que os órgãos de segurança da ditadura mantinham em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, foi demais até para ele. O texto abaixo não é meu. Esqueci de onde o copiei, mas acho importante divulgar.

Carioca era um dos três integrantes da equipe que conduziu David Capistrano da Costa, dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), preso quando tentava entrar no país por Uruguaiana, de Porto Alegre para São Paulo, na Operação Bandeirantes (Oban), o centro de torturas da rua Tutóia; e depois para o Rio.

Em Petrópolis, a equipe local fazia o "serviço" no quintal e um de seus integrantes chamou o agente do CIEX quando "terminou". "Ei, Carioca. Venha aqui fora, o trabalho tá quase pronto". Carioca foi conduzido a um cômodo isolado, nos fundos, e passou a vista pelo ambiente. Demorou um pouco para entender o que acontecera. Tinha sangue para todo lado, mas não via o corpo.

"Chocado, sem articular uma só palavra, o estômago engulhado, percebeu que as partes, amontoadas num canto, estavam a ponto de serem colocadas num saco plástico". Levantou a cabeça em direção a algo pendurado por ganchos. "Um tronco, dividido ao meio. As costelas de Capristano pendiam ao teto, e ele, reduzido aos pedaços, como se fosse uma carcaça de animal abatido, pronta para o açougue".

Era com essa cena que o agente, que a partir de então passou a anotar secretamente o que viveu como agente do regime militar (1965-1985), imaginava abrir um livro de memórias. O material chegou praticamente clandestino, por correio, para a Geração Editorial, que em 2005 havia editado "Operação Araguaia", dos jornalistas Taís Morais e Eumano Silva, que reuniu uma documentação inédita sobre a guerrilha do Araguaia, relatando episódios vividos pelo agente. O diário foi enviado pela ex-mulher de Carioca, que ficou com os manuscritos e a orientação de encaminhá-los a jornalistas ou a uma editora quando o autor morresse. Morreu, a machadadas, num episódio até hoje não esclarecido.

O editor encaminhou o material a Taís Morais, que checou dados, conversou com agentes que atuaram com Carioca e trouxe a público fatos estarrecedores contados pelo militar que morreu atormentado por seus atos, no livro "Sem vestígios: revelação de um agente secreto da ditadura militar brasileira"*. Por opção da autora e do editor, foi mantida a ordem cronológica dos fatos relatados. Embora tenha mantido em sigilo a identidade de Carioca e de agentes que trabalharam junto com ele, seus pares certamente terão facilidade em identificá-lo.

Na obra, Taís Morais expõe a absurda afirmação contida no diário do agente, de que o ex-ministro José Dirceu teria sido um agente duplo, responsável pelo desmantelamento do Movimento de Libertação Popular (Molipo). Quem conhece sabe que se trata de uma infâmia, urdida pelo coronel Lício, que "se especializou em difamar tanto a memória dos mortos como os que sobreviveram". É atribuído ao coronel Lício, por exemplo, a versão de que o deputado José Genoino, primeiro preso pela repressão na Guerrilha do Araguaia, teria entregado seus companheiros. Devido à compartimentação das informações e das bases guerrilheiras, Genoino sequer teria tais informações.

Vencida a ditadura, os torturadores do serviço secreto continuam ativos, espalham versões absurdas que tentam desmoralizar os combatentes da esquerda e encontram espaço na imprensa brasileira. Não dá para esquecer, não dá para encerrar o assunto.

Os generais de hoje, ou são os torturadores de ontem ou apóiam os assassinatos e torturas para que resistam tanto a abrir os malditos arquivos.

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