28 de julho de 2007

 

A resistência da grande feira popular de São Joaquim

Se você for à Bahia não deixe de visitar a feira de São Joaquim. Ela é a ligação de Salvador com sua história mais profunda, com suas raízes, sua origem e atualidade negra. Se a palavra povo tiver alguma força conceitual, ela é um dos territórios sagrados do povo de Salvador e de todo o Recôncavo. É ponto de encontro. Por ela, é possível viajar no tempo. Ir e voltar. Revisitar a velha Salvador, olhar o novo imbricado com o antigo. O escritor e jornalista Emiliano José, dirigente estadual do PT da Bahia, metido até os ossos com a luta da feira popular, escreve suas impressões em artigo publicado no jornal A Tarde (27/07/07).

LEIA ARTIGO NA ÍNTEGRA:

A grande feira
Emiliano José*

A Feira de São Joaquim é a ligação de Salvador com sua história mais profunda, com suas raízes, sua origem e atualidade negra. Se a palavra povo tiver alguma força conceitual, ela é um dos territórios sagrados do povo de Salvador e de todo o Recôncavo. É ponto de encontro. Por ela, é possível viajar no tempo. Ir e voltar. Revisitar a velha Salvador, olhar a nova imbricada com a antiga.

A feira continua viva, com suas cores, gritos, alegria, comércio, barganha, carrinhos de mão, menino chupando manga, descascando tangerina, mastigando banana, trabalhador no balcão ou na mesinha pegando a xepa. Negra, negra feira, negra cidade, retrato da Bahia.

Ali o candomblé deita raízes, busca alimento, convive, vive. Quem é de santo, está quase sempre na feira. Raízes de uma terra que, vivendo a escravidão, viu o povo negro ancorar-se em sua cultura para não morrer, para manter-se íntegro, para dizer-se de uma civilização própria, para revelar e orar para os seus orixás, misturado com Senhor do Bonfim, Oxalá. Convivem ali todas as crenças, no entanto.

Desde há muito, convivo com a grande feira.

Fiz matéria sobre o incêndio de Água de Meninos muitos anos depois do ocorrido. Era meados dos anos 70. Quem me contava a história era uma liderança calejada, marcada pela vida e pela feira - penso que lembro o nome inteiro: Francisco Porcino Julião, um negro forte, impressionante figura, fiel às suas origens, tinha o fogo nas veias, o fogo que queimara tudo, e que ele tinha convicção ter sido criminoso. Era de luta.
Mais tarde, vi-me envolvido de novo com a feira.

Agora, pelas mãos de outra liderança, mais jovem: Joel Anunciação. Uma curiosa história de vida.

Fora meu aluno na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Estudava também na Universidade do Estado da Bahia. E tinha - como tem - barraca na Feira de São Joaquim.

Sustenta a família com ela. Orgulhosamente.

E participei de outra luta - a da derrubada do muro. Ao lado de Anunciação, Nilton Ávila, outra importante liderança.

A história do muro revela uma concepção - a de que era necessário esconder a feira. São Joaquim, na visão dos que governavam Salvador naquele momento, era feia demais. Era preciso construir um muro e escondê-la do resto da cidade.

Foi construído. E foi ao chão. Pela ação dos feirantes, pela disposição deles em defender o seu patrimônio - o econômico e o cultural. Não, nunca consideraram a feira como um estorvo na paisagem. Ela é a síntese mais perfeita da Salvador pobre, e negra, e bela, e alegre.

Agora, a Fundação Palmares, impulsionada por tantas lutas, e com o nosso Zulu Araújo à frente, antes com o professor Ubiratan Araújo, mostra disposição de tombá-la, torná-la um patrimônio intangível da Cidade da Bahia. Já há um belo, cuidadoso Laudo Antropológico do professor Vicente Deocleciano Moreira, a sustentar a oportunidade do tombamento. Todos nós, os que amamos Salvador e a Bahia, estamos lutando por isso, com a esperança de que aconteça o mais rapidamente possível.

Comments:
Parabéns Oldack, parabéns Emiliano. São Joaquim é o mais belo e perfeito retrato de uma cidade que não se entrega. E pode ser seu mais importante motor cultural, se for tratada com inteligência e sensibilidade pelo poder público. Se puder ajudar de alguma forma, estou a postos. É só chamar.
 
Parabéns! Gostei do comentário pois realça a história de luta e superação dos integrantes da Feira de São Joaquim que se reergueu mesmo depois de "imprevistos" como o Incêndio de Água de Meninos. E também por ter citado o nome de Francisco Porcino Julião (meu pai) que muito lutou para que ela fosse o que é hoje.
Obrigado!
 
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