13 de junho de 2007

 

Lula mantém Waldir Pires por tudo o que ele representa na luta pela democracia

De vez em quando, forças reacionárias, presentes no Governo Lula, plantam notinhas em jornais, pedindo a cabeça do ministro da Defesa, Waldir Pires. A imprensa chegou a fazer coro durante a “crise” da aviação gerada pela queda do avião da Gol. Queriam responsabilizar Waldir Pires. Não colou. O sociólogo Gilson Caroni Filho publica no Jornal do Brasil (13/06/07) um esclarecedor artigo intitulado “Yolanda da tantas lutas”.

Segundo ele, “quando, no início de abril, resistindo às pressões militares e da oposição, o presidente Lula negou a saída do ministro Waldir Pires do comando da Defesa, mais que afirmar sua autoridade, reverenciou uma biografia política. Homenageou um homem e seu tempo”.

Na verdade – afirma Caroni – Lula “reconheceu um homem de vários tempos. Tempos grávidos de avanços e perdas. Tempos em que a grandeza e o espírito de vida pública não permitiam que se tomassem derrotas como definitivas. Ao não demitir Pires, no momento esperado pelas forças conservadoras, Lula mostrou saber da luta de Yolanda e Waldir. Reverenciou dois combatentes que, mesmo separados, permanecerão juntos na história da democracia brasileira”.

SEGUE A ÍNTEGRA DO ARTIGO:

Yolanda de tantas lutas

Artigo - Gilson Caroni Filho
Jornal do Brasil
13/6/2007

Há atos que, pela dimensão simbólica, transcendem as motivações imediatas que os produziram. São os que ficam registrados na história como aqueles em que, nos interstícios da ação política, o soberano submeteu a fortuna à virtù e, num átimo, se afirmou como ator republicano.

Quando, no início de abril, resistindo às pressões militares e da oposição, o presidente Lula negou a saída do ministro Waldir Pires do comando da Defesa, mais que afirmar sua autoridade, reverenciou uma biografia política. Homenageou um homem e seu tempo. Na verdade, reconheceu um homem de vários tempos. Tempos grávidos de avanços e perdas. Tempos em que a grandeza e o espírito de vida pública não permitiam que se tomassem derrotas como definitivas.

Waldir nunca temeu o recomeço. Se for verdade que em cada cabeça há uma sentença, ele faz parte de uma geração que pensou o Brasil coletivamente e do país fez seu projeto de vida.

Com Pires, em uma equipe de governo que tratou reforma de base como profissão de fé, estavam Hermes Lima, Celso Furtado, Santiago Dantas, Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, Carvalho Pinto e Paulo Freire. Quadros políticos de primeira linha. Gente, em sua maioria, banida para o exílio pelo golpe militar de 1964. Alguns jamais retornariam. Partiram com pertences e parceiras.

Tristãos e Isoldas a beber poções de perda. Homens e mulheres que não pertencem apenas uns aos outros. São parceiros da história, parteiros do devir. Maria Tereza, de Jango; Berta Loureiro, de Darcy Ribeiro; Lúcia, de Celso Furtado; Sara, de JK; Glauce, de Josué de Castro; Yolanda Avena, de Waldir Pires, entre outros casais, formaram a simbiose que neutraliza a estranheza dos apátridas, espantando receios do retorno incerto.

Yolanda não foi apenas o esteio de Waldir. Culta e militante, reorganizou, na medida do impossível, um lar de incertas fronteiras. Enquanto o marido, ex-fundador da UNB e consultor geral da República, passava do desemprego no Uruguai à recuperação do prestígio acadêmico em universidades francesas, ela intensificava o estudo da língua, enveredando pela literatura do país que os acolheu. Em Exílio: testemunho de vida, seu livro, relata o entusiasmo com que leu Emile Zola, a poesia trágica de Baudelaire, os poemas de Rimbaud. O padrão de vida conseguido não lhes tirou, na têmpera de combatentes, o sonho de um Brasil como projeto.

"Renunciamos à nossa vida privada que poderia ser livre, disponível, aos prazeres, à convivência amorosa com nossos filhos e netos! Fomos para o Uruguai, Rio de Janeiro. Retornamos, pensando: será possível quebrar a hegemonia desse poder que no Brasil se instalou e abastardou-se na corrupção, na mentira, na manipulação da consciência?". Este é o depoimento de Yolanda. O resto é história.

Do retorno ao Rio, em pleno governo Médici, ela retoma a militância, atuando no Movimento Feminino pela Anistia. Ele, aguardando o momento para retornar à Bahia, dedica-se à iniciativa privada. A perda súbita de um filho não arrefece a luta pelos direitos humanos. Agora, seriam muitos os filhos, e estavam, quase todos, alojados nos porões da ditadura. Era preciso localizá-los e, se possível, abraçá-los. A tenacidade de uma mulher em luta não comporta comparações.

Waldir assume, em 1985, o Ministério da Previdência, transformando déficit de Cr$ 8 trilhões em superávit de Cr$ 2 trilhões. Em 1986, elege-se governador da Bahia, impondo derrota histórica ao carlismo.

Yolanda, em 1992, torna-se vereadora de Salvador, dando curso a uma vida político-afetiva que, se não fosse a dois, teria sido impossível. Em 9 de setembro de 2005, faleceu. Não resistiu a uma cirurgia cardíaca. Cinco anos antes, declarava desejar que "que nossos filhos e os de tantos expatriados soubessem que eles foram e são importantes no destino que escolhemos".

Ao não demitir Pires, no momento esperado pelas forças conservadoras, Lula mostrou saber da luta de Yolanda e Waldir. Reverenciou dois combatentes que, mesmo separados, permanecerão juntos na história da democracia brasileira.

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