28 de março de 2007

 

MAIS SABEDORIA, MENOS HISTERIA

A Revista do Brasil - http://www.revistadobrasil.net/violencia.htm - que tem o jornalista Paulo Henrique Amorim na capa, publica ensaio do ex-ministro dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda. Ele afirma que “alguns políticos e jornais receitam o ódio como remédio contra o crime e atacam o Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas pouco ou nada fazem pelo seu efetivo cumprimento, que é onde está boa parte da verdadeira solução”.

LEIA O ARTIGO NA íNTEGRA:

MAIS SABEDORIA, MENOS HISTERIA

Por Nilmário Miranda

Em 8 de fevereiro o Brasil entrou em estado de choque. Uma gangue rouba um carro e arrasta por 15 minutos uma criança de 6 anos, João Hélio, presa ao cinto de segurança, ignorando todos os avisos. A indignação tomou conta de todos. A gangue era composta por cinco pessoas; um deles é adolescente, tem 16 anos, seu irmão de 23 era o chefe. Os pais de um dos assaltantes o denunciaram à polícia e se solidarizaram com os pais de João Hélio.

Nas semanas seguintes, jornais e rádios do Rio, emissoras de TV e vários políticos recorrem, com sensacionalismo e tom emocional, beirando a histeria, a uma verdadeira campanha pela redução da maioridade penal para 16 anos (apesar de só um dos cinco da gangue ser menor de 18 anos) e contra o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Como se esta questão – os crimes praticados por adolescentes – fosse a causa principal da violência.

LULA PEDE PRUDÊNCIA

No dia seguinte, 9 de fevereiro, o presidente Lula, que estava em Salvador lançando campanha contra a exploração sexual de crianças e adolescentes durante o Carnaval, falou de improviso. Contou que ele e dona Marisa ficaram estarrecidos com a brutalidade contra João Hélio, mas pediu reflexão e prudência, alertando que a redução da maioridade penal não é a solução para a criminalidade e a violência. Dias depois reuniu os líderes de partidos aliados e recomendou-lhes evitar “legislação de pânico”. Vozes sensatas se manifestaram enriquecendo o debate sobre a violência e a criminalidade. A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, alertou: “Direcionar tudo em relação aos menores me parece uma atitude persecutória em relação à nossa infância”.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, apontou medidas concretas para reduzir a impunidade e a insegurança da sociedade com o sistema de Justiça: acelerar a tramitação dos processos criminais nos tribunais do júri, com a permissão para ouvir testemunhas de defesa e acusação numa mesma audiência; impedir adiamentos de audiências sem motivos relevantes; acabar com a figura do novo júri quando a pena exceder 20 anos. A Folha de S.Paulo foi um dos poucos jornais a recusar o fulcro do debate na punição a crianças e adolescentes e indicou também medidas concretas para reduzir a criminalidade.

Vale lembrar que um grupo de criminosos, falando de celulares de dentro dos presídios, aterrorizou e paralisou a maior cidade do país há menos de um ano. Neutralizar a criminalidade de dentro dos presídios, impedir celulares nas prisões, viabilizar a revista em advogados, acelerar os processos nos tribunais do júri são medidas necessárias.

A certeza da punição e a eficiência na aplicação da pena são mais relevantes que a sua duração. O governo está no rumo certo ao investir na integração das polícias, criar prisões federais seguras, apostar na reforma do Judiciário e colocar na agenda a reforma dos Códigos para acelerar os processos. O Senado contribuiu ao votar projeto de lei do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) agravando a pena de criminosos que usam menores nos crimes.

OPORTUNISMO

Toda vez que ocorre um crime grave envolvendo adolescentes, políticos e a mídia conservadora responsabilizam o ECA.

Por que o ódio?

Na verdade, o Estatuto é muito pouco conhecido, apesar de já ter 17 anos de vida. São 271 artigos baseados nos artigos 227, 228 e 229 da Constituição Federal. O 227 é o principal deles: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Como se vê, poucos governantes podem dormir com a consciência tranqüila do dever cumprido. O artigo 228 estabelece a responsabilidade penal aos 18 anos e uma legislação especial para as infrações cometidas pelos menores. A implementação do ECA é precária, sobretudo nos estados mais importantes. O ECA deveria fazer parte dos currículos dos cursos de Direito, Pedagogia, Serviço Social e Psicologia, mas não é o que acontece. O Estatuto não só é desconhecido como é escandalosamente descumprido sem despertar a indignação das elites e da grande mídia.

Que efeito teria a redução caso fosse aprovada?

Hoje há cerca de 15.500 adolescentes com medidas de internação. Destes, 12 mil com mais de 16 anos seriam tirados de instituições socioeducativas para as prisões superlotadas.

O país tem 190 mil vagas no sistema prisional, onde se espremem 390 mil presos. Sete em cada dez infrações cometidas por adolescentes são contra o patrimônio, furtos e roubos, e passíveis de ressocialização. Os estados não investem na liberdade assistida, na prestação de serviços à comunidade e na semiliberdade, que comprovadamente dão bem mais resultado.

POLÍTICOS LAVAM AS MÃOS

Os mesmos governantes e políticos que querem imputabilidade aos 16 anos e aumento nas durações das medidas pouco ou nada fazem para reformar instituições superlotadas, com déficit em assistência médica, educação, profissionalização, atividades esportivas. Faltam educadores, assistência psicológica e jurídica.

A Secretaria Especial dos Direitos Humanos e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) investem na instituição do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), com ênfase nas iniciativas de meio aberto, mas estabelecendo um padrão mínimo e melhor para a internação. Os adolescentes e suas famílias denunciam o uso freqüente de métodos violentos, incluindo a tortura. Dos 15.500 adolescentes internados, apenas 4% concluíram o ensino fundamental!

Mesmo em São Paulo, que insiste na falida Febem, há instituições que funcionam, como na cidade de São Carlos. Em todo o país, existem instituições adequadas e práticas criativas com a aplicação do que pede o ECA: instituições regidas por educadores, com 30 a 40 adolescentes que apresentam baixa reincidência. A delinqüência juvenil tem causas variadas e complexas, e as políticas de prevenção devem ter precedência.

RESULTADOS

De modo geral, é um fenômeno de regiões metropolitanas e de grandes cidades. Segundo a Unesco – órgão das Nações Unidas dedicado à infância – e a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, há em torno de 8 milhões de adolescentes e jovens adultos que saíram da escola no ensino fundamental e não se profissionalizaram, a maioria de famílias desestruturadas.

Para esses jovens, estão rompidas as etapas naturais do ciclo juvenil: a conclusão dos estudos, a entrada no mundo do trabalho, a saída da casa paterna, a construção da própria família. Centenas de milhares desses jovens pensam o futuro na ótica do risco.

A promotora de Infância e Juventude de Belo Horizonte Maria de Lourdes Santa Gema coletou dados assustadores. Só na capital mineira, em 18 meses (janeiro de 2005 a junho de 2006), 1.074 jovens foram executados com tiros na nuca. Quase todos negros, moradores de favelas, vítimas de guerra do tráfico, por gangues rivais ou por extermínio. São imediatamente substituídos por outros.

HERANÇA DA CASA GRANDE

Direcionar o debate sobre segurança pública à punição de crianças e adolescentes revela um traço de discriminação e preconceito, que não deixa de ser uma herança da Casa Grande. A escola era proibida para os filhos dos escravos e obrigatória para os filhos dos senhores. O menino branco era considerado pequeno adulto aos 13 anos e aprendia a ter autoridade com os escravos. Era estimulado a castigar os negros desobedientes e a seduzir as negras. Oito milhões de negros e pardos, de uma população de 13 milhões em 1888, eram analfabetos sem preparo profissional para novas ocupações após a Abolição. Nas maiores cidades surgem cortiços e favelas e, naturalmente, a delinqüência.

As elites traçaram novas teorias educacionais. Entre as mais progressistas, o higienismo apregoava a salvação pela educação, disciplina e controle. Segundo teorias vigentes, os filhos da elite teriam uma tendência natural à virtude, enquanto os filhos da maioria, das “classes perigosas”, seriam propensos à vagabundagem, ao crime, ao alcoolismo, à ignorância.

As crianças tenderiam a reproduzir o comportamento dos pais. Tanta gente neste país que suspira saudosismo e lamenta a extinção dos reformatórios, internatos, do famigerado SAM. Reclamam da proibição do trabalho infantil e gostariam que os “pivetes” fossem transferidos para colônias agrícolas na Amazônia. A discriminação e o preconceito com as crianças da maioria atravessaram os séculos.

Hoje, importantes medidas de combate à exclusão vêm sendo gradativamente implantadas. O governo federal criou uma Secretaria e um Conselho Nacional de Juventude, há 700 mil jovens participando de programas como Pró-Jovem, Agente Jovem, Empreendedorismo Jovem, Escola de Fábrica, Soldado Cidadão, entre outros. O ProUni atende mais de 200 mil jovens. Escolas técnicas estão sendo expandidas.

No entanto, ainda falta um esforço nacional envolvendo municípios, estados, empresas e sociedade. Medidas sócio-educativas, comprovadamente eficazes na recuperação de menores infratores, existem em algumas regiões do país, mas ainda não predominam. Falta potencializar os investimentos em educação de qualidade para todos. “A solução para a criminalidade não vai acontecer num passe de mágica, mas por ações coordenadas”, acredita o presidente Lula.

O Estatuto da Criança e do Adolescente foi um salto no rumo da inclusão, pela primeira vez na nossa história, na cidadania da nossa infância.

E AÍ? NÃO VAMOS FAZER NADA?

Fonte: Revista do Brasil On Line

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