23 de fevereiro de 2007

 

Revista piauí revela que critério para sair da barbárie é a latrina

A fórmula editorial encontrada pelo cineasta João Moreira Salles para fazer sua revista piauí - assim mesmo com p minúsculo – é inovadora. Mesmo que eu faça restrições à publicidade canalha antilulista (aquela que responsabiliza o ministro Waldir Pires pela crise nos aeroportos do Brasil publicada na edição de fevereiro) editada por seu redator-chefe Mário Sérgio Conti, não há como desconhecer o valor e o resgate do jornalismo verdadeiro. São textos autorais, sem formadores de opinião, sem colunistas, muita reportagem. Um exemplo emblemático é a matéria assinada pelo escritor peruano de Mário Vargas Llosa, intitulada O Cheiro da Pobreza (página 34).

Na matéria O Cheiro da Pobreza, Mário Vargas Llosa, em texto limpo, curto e grosso, mostra que o objeto que representa a civilização e o progresso não é o livro, não é telefone celular, nem a Internet e muito menos a bomba atômica. O que melhor representa a civilização é o vaso sanitário, a privada. Ele se baseia no relatório da ONU intitulado “A água pra lá da escassez: poder, pobreza e a crise mundial da água”. O modo como os seres humanos esvaziam a bexiga e os intestinos é determinante para saber se estão mergulhados na barbárie ou se já conhecem o progresso.

Usar a privada para satisfazer suas necessidades fisiológicas tem conseqüências vertiginosas. “No mínimo, um terço da população do planeta, 2,6 bilhões de pessoas, não sabe o que é um vaso sanitário, uma latrina, uma fossa séptica e faz suas necessidades como os animais, no mato, à beira dos córregos e mananciais, ou em sacolas e latas que são jogados no meio da rua”. O relatório afirma que mais ou menos 1 bilhão de pessoas utiliza águas contaminadas por fezes humanas e de animais para beber, cozinhar, lavar a roupa e fazer a higiene pessoal.

Em conseqüência, 1,8 milhão de crianças morrem a cada ano, vítimas da diarréia. E faz com que doenças infecciosas como cólera, tifo e parasitoses, causadas pela “falta de acesso ao saneamento” provoquem enormes devastações na África, Ásia e América Latina. Em Nairobi, no Quênia, o povo usa as chamadas “privadas voadoras”, sacolas de plástico em que as pessoas fazem suas necessidades e em seguida as atiram nas ruas.

Em Dharavi, na índia, há um sanitário para cada 1.440 pessoas. É um relatório cruel. Quando os pobres têm acesso à água, trata-se de água contaminada por bactérias. Pior, os pobres da Indonésia, Filipinas e Quênia pagam mais caro - cinco a dez vezes mais - pela água do que a população de Nova York e de Londres.

A matéria é fantástica. Infelizmente Mário Vargas Llosa não chegou à parte que fala do Brasil. As sacolas voadoras existem aqui mesmo em Salvador, na Ilha de Maré. Eu vi com estes olhos que a terra há de comer. Ali, boa parte da população defeca em sacos plásticos que são lançados ao mar. Na entrada de São Gonçalo dos Campos, bem ali na periferia de Feira de Santana, em todas as casas da rua de entrada à cidade, a privada até 2006 era o mato. A imprensa baiana precisa sair das redações, seguir o exemplo da revista piauí e fazer jornalismo.

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