1 de novembro de 2006

 

Imprensa do Brasil não pode continuar acima da lei

Jornais de hoje trazem defesa da liberdade de imprensa, mas não questionam qualidade jornalística de reportagem que gerou depoimento à Polícia Federal.

Impressão de que o Brasil está à beira do autoritarismo é falsa – protestos defendem as empresas, não os jornalistas.

Democracia do Brasil necessita de um código de conduta e de uma comissão auto-regulamentadora para defender o cidadão dos erros e abusos cometidos pela imprensa

Todos os jornais de hoje reagem ao depoimento de jornalistas da revista Veja na PF, como se os maiores órgãos de informação do país tivessem atuado com a isenção desejada durante a campanha eleitoral.

Nenhum se rende às evidências da parcialidade da mídia, constatada quantitativa e qualitativamente pelo Observatório Brasileiro de Mídia.

Rapidamente, passam de inquisidores a vítimas, rendendo-se ao corporativismo, sem um senão sequer à qualidade jornalística da reportagem da revista sobre a suposta ‘operação abafa’ dentro da PF para afastar o ex-assessor de Segurança da Presidência da República, Freud Godoy, das investigações sobre a compra do dossiê falso que conteria informações contra o então candidato ao governo de São Paulo, José Serra.

Vários articulistas imprimem, hoje, a sensação de que o Brasil vive à beira do autoritarismo, e que a Polícia Federal tornou-se o braço repressor desse regime no constrangimento, na coação e nas ameaças a três dos seis jornalistas da revista que participaram da elaboração e edição da reportagem.

Nada mais falso e precipitado. Todos concluem, sem a necessária autocrítica e reconhecimento às evidências de tentativa de influenciar no resultado das eleições presidenciais, foi detectada e denunciada por vários jornalistas que reconheceram – e tiveram coragem de denunciar – os desvios de conduta da imprensa e suas empresas.

Os textos colocam o Brasil sob o risco de nova ditadura, recorrem a exemplos de intimidação à imprensa ocorridos no passado, acusam o governo de querer limitar a liberdade de expressão, mas nenhum – nenhum – reconhece os exageros cometidos nos últimos meses.

Luís Nassif, Mino Carta, Raimundo Pereira, Luiz Carlos Azenha, Paulo Henrique Amorim, Ricardo Boechat e Marcelo Beraba são alguns dos que tiveram a honestidade que falta aos articulistas dos jornais de hoje, e denunciaram as irregularidades.

Por certo, nenhum desses profissionais mencionados assinaria uma reportagem baseada no testemunho da conversa de uma pessoa ao telefone com uma terceira pessoa, como é o caso da reportagem sob inquérito. Muito menos usar esse testemunho para a construção de um ambiente de ilegalidade que pôs a instituição policial sob suspeita, anulando todo o trabalho apresentado pela Polícia Federal nos últimos anos.

Todas as profissões, cujo exercício trazem riscos de prejuízo aos cidadãos e à sociedade, são exercidas sob rigorosos códigos de ética e conduta – menos os jornalistas.

Todas prevêem sanções em casos de comportamento antiético, imoral ou ilegal – menos os jornalistas.

Todas são exercidas por pessoas físicas claramente identificadas pelos números de sua ordem ou conselho regional – menos os jornalistas.

Essas exceções produzem outra deformação. Quando se exige o cumprimento do preceito constitucional do respeito à liberdade de imprensa, não se defende a liberdade do cidadão jornalista, mas sim dos grupos econômicos que controlam a indústria de mídia no Brasil.

É mais do que urgente que os jornalistas se dêem conta de que a adoção de um código de conduta para o exercício da profissão não pretende cerceá-los, mas garantir sua liberdade de expressão dentro de um conjunto de cuidados e obrigações que são comuns em outras profissões.

Esse blog tem se manifestado continuamente sobre essa necessidade, e tem procurado apresentar garantias à liberdade de imprensa proporcionadas pela auto-regulamentação.

Países mais e menos desenvolvidos do que o Brasil adotaram, com sucesso e sem ameaças à democracia, comissões e códigos de conduta que supervisionam a auto-regulamentação que protege todos os cidadãos, inclusive os jornalistas.

Está mais do que propícia a ocasião para que o governo apresente uma proposta ao Congresso contendo normas e sanções aplicáveis, dentro de um modelo de auto-regulamentação semelhante ao do Conar, que visa impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a empresas.

Essa iniciativa não pode incorrer novamente no erro de permitir que qualquer interesse sindical ou corporativo contamine uma proposta que, acima de tudo, busca proteger o cidadão comum dos erros, abusos e manipulações possíveis com o manejo da informação.

A imprensa do Brasil não pode continuar acima da lei.

Alceu Nader

http://blog.contrapauta.com.br/

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